CARTA A CRISTOVAM


Amanhã, dia 29 de Agosto de 2016, será um dia histórico para o país, dia em que pais e mães de todas as posições ideológicas têm obrigação de fazer seus filhos adolescentes assistir ao que vai ser lido no futuro pelos meninos brasileiros que estão nascendo agora. Eles um dia poderão dizer aos filhos: "Isso que eles estão ensinando eu vi acontecer quando era criança! Passou num aparelho que a gente na época chamava de televisão".
 
Para os que não estiverem odiosamente envolvidos, vai ser importante e interessante. Dilma falará pouco para os senadores, pois sabe que não há julgamento, e muito para os livros de história. Ela nunca foi política, e não sabe falar em público, tal como não soube governar. Vai apavorar-se. E embora tenha pegado em armas contra a ditadura na adolescência, mesmo sendo de família rica, embalada no sonho utópico de construir um país mais igualitário... é apenas uma mulher no Brasil. A primeira mulher presidente num país que precisou de uma lei chamada Maria da Penha para tentar diminuir o machismo e a consequente violência contra a mulher.
 
Inês de Castro... D.Maria I, a Louca... Princesa Isabel... Na nossa cultura, nunca fomos gentis com mulheres que levantam a voz. 

A democracia direta vai chegar aos poucos, primeiro nos países europeus, depois aqui nas américas. E essa demora paradoxalmente é boa para o Brasil, pois ainda precisamos avançar muito em educação, para poder votar diretamente com consciência. Ainda hoje, mesmo mulheres votam pouco em mulher.

Reproduzo aqui a carta que ingenuamente enviei hoje ao Senador Cristovam Buarque, em que exponho dois problemas brasileiros muito em evidência: a falta de representatividade de nossos parlamentares e a falta de formação educacional que atinge todos nós.

Atinge o próprio Cristovam Buarque, senador herdeiro das lições de Darcy Ribeiro.

CARTA A CRISTOVAM

Senador Cristovam,

O Senhor me tirou o chão em que piso. 
 
Fui aluno seu da UnB em tempos do reitor-militar José Carlos Azevedo e também em seu tempo. Como o Senhor, trabalhei com finanças, no Brasil e no exterior, e no fim também acabei no magistério. E passei a vida citando seu nome como prova de que o país tinha solução fora da esquerda radical comunista (que nos tira a liberdade) e do capitalismo selvagem (que é o "Berço da desigualdade"). 
 
São cerca de 20 anos de aulas citando Darcy Ribeiro, os Cieps, a criação do Bolsa Escola, e Cristovam... Cristovam... Cristovam... sempre declarando a tristeza de não termos um país educado para escolher parlamentares virtuosos, como eram as premissas de Montesquieu e de Rousseau. 
 
Não gosto da Dilma, que é incompetente, autoritária e arrogante. Não gosto do atual PT nem do PSDB. A corrupção tanto da chamada “privataria tucana” e da tropa de choque da turma do José Dirceu são mais evidentes do que o sol em céu aberto. Do lado do PSDB, Fernando Henrique fechou os olhos à corrupção dessa chamada privataria tucana porque sabia que se deixasse a Polícia Federal dar apoio às investigações do Ministério Público acabaria por comprar briga com todos os setores econômicos e políticos (e que briga, como estamos vendo hoje) e isso tumultuaria o país. Do lado do PT, o mensalão foi pensado inicialmente como forma de fazer um congresso de corruptos votar nas reformas sociais. Mas é impossível não enxergar um PT infestado de oportunistas que diante de tanto dinheiro não acharam nada demais pegar um pouquinho aqui e ali, mesclando projeto de poder com projetos pessoais. Cito só esses dois partidos porque era deles (do PSDB do FHC da Sorbonne, e do PT do Lula e do Suplicy), e apenas deles, que se poderia cobrar honestidade e compromisso com o país. Os demais partidos, fora algumas pequenas exceções nanicas, estão no seu papel esperado de chegar ao poder para fazer negócios. São apenas bandidos financiados por grupos econômicos que sempre se utilizaram da falta de estudo da população para alcançar o Congresso e pilhar o orçamento do país. 
 
Não. Não se trata disso. Há 500 anos o país já vem sendo pilhado.

Trata-se de avançar na boa formação, na EDUCAÇÃO. Sabemos – o Senhor, com seus alunos, e eu com os meus – que nossos inconfidentes não queriam um país melhor para todos, pois eram uma minoria de poderosos que não pretendia pagar impostos... que nossos republicanos não derrubaram a monarquia para construir um país melhor para todos, pois eram uma minoria de poderosos que reagia à libertação dos escravos... que Vargas não foi expurgado para que se conseguisse um país melhor para todos, e sim porque seu nacionalismo contrariou interesses dos grupos que controlavam o país... que Jango não foi deposto para se construir um país melhor para todos, e sim porque estava contrariando os interesses dos mesmos grupos poderosos... 
 
O SENHOR SABE que a atual presidente não está sendo tirada por ser incompetente (que é) nem por ser arrogante e autoritária (que também é). 
O SENHOR SABE que não é por causa da crise econômica (que existe e vai continuar a existir enquanto não mudar o cenário das commodities).
O SENHOR SABE que todos a sua volta no Senado, na Câmara, na direção dos Bancos, na direção dos grandes conglomerados industriais e financeiros, na direção das grandes empresas de mídia, todos, absolutamente todos os que sempre sustentaram a corrupção sistêmica deste país estão apavorados com as prisões que pegaram políticos, grandes empreiteiros e já começam a chegar nos dirigentes do sistema financeiro.
O SENHOR SABE o quanto a permanência do vice Michel Temer é necessária para, em médio prazo, "estancar essa sangria" como disse o próprio Senador Jucá ao Presidente do Senado, Renan Calheiros (o áudio está na internet, é só clicar no São Google). 
  
O que digo a meus alunos, quando estes me perguntam por que o Senador Cristovam, de quem o professor tanto fala, finge não ver o que ocorre? Qual o interesse dele?
 
Não tenho como dizer a eles que a única preocupação que vejo no Senhor, neste momento, é a de conseguir votar a favor do impeachment, agradando ao ibope do momento, e ao mesmo tempo tentando convencer os movimentos sociais de que faz isso de Vontade Boa (Guter Wille, kantianamente falando). 

Sei que o Senhor não faz isso para agradar àqueles simplórios que entortam a boca e batem panelas, mas teme desagradar pessoas de bem que ainda não compreenderam a gravidade da situação. 

Não tenho o que dizer a meus alunos. Não posso explicar o inexplicável a quem ensinei a perceber o que se esconde por trás dos discursos.
 
Resta-me lamentar. E a partir de agora, citá-lo como exemplo daquela passagem do Henrique V, de Shakespeare, quando o Rei, ao descobrir uma conspiração para matá-lo, disse que a partir dali, diante de tal ação perpetrada por pessoas consideradas tão exemplares, ninguém mais ficaria isento de suspeição.
 
Não consigo compreender por que faz isso (as explicações eu já ouvi, mas lembre-se de que tive educação para saber ler). Não compreendo. O Senhor sabe que lá na frente, na História, quando as crises estiverem longe, no passado, e os ódios distantes, todos os jovens irão ler e estudar que houve mais um fatídico Mês de Agosto no Brasil, em que um Congresso avassaladoramente composto por corruptos tirou do poder uma mulher incompetente e arrogante, mas honesta, justamente para poder manter vivo o sistema de corrupção.
 
E o Senhor estará na lista dos que deram aval aos Aloysios Nunes, aos Eduardos Cunhas, aos Renans.

Não entendo.
Mas, pensando bem, entendo.
E é triste.
Perdi um exemplo nas salas de aula. Mas mesmo na minha idade, aprendi mais um pouco na vida.

Ainda assim, pelo seu passado, quero-lhe bem.

Alvaro Maia
um professor brasileiro que também quer um país investindo em educação


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