CHARLOTTE CORDAY


Aimé Baudry, Charlotte Corday

A palavra dilema é grega: di (dois) e lemma (proposta). Usamos quando temos que decidir entre duas opções que se impõem, e que são ambas ruins, nos aterrorizam. Muitos dos personagens clássicos se viram postos em dilema, e nenhum deles saiu-se bem. Num dos mais antigos, grego, Cassandra profetizou ao pai, o rei Príamo, que se deixassem o seu irmão recém-nascido viver a cidade inteira de Tróia se perderia em chamas. A mãe, Écuba, salvou o filho e a cidade ardeu. Escolhas. Laios escolheu matar o próprio filho, Hamlet escolheu sacrificar Ofélia, Sofia escolheu entregar a filha à câmara de gás.

Mas há dilemas que não são provocados  por profecia de filha, oráculo, fantasma, ou mesmo algum oficial nazista.

Há dilemas que têm origem interna corporis, axiologicamente: o homem e sua consciência, entre o conforto da omissão e o dever de agir.

Chalotte Corday era descendente de Corneille, um dos gigantes da era de ouro da literatura francesa, no século XVII, o de Molière e de Racine. A obra-prima desse Corneille é o drama Le Cid, em que o herói morre defendendo a pátria e seus valores cristãos. Charlotte Corday herdou alguma coisa de seu antepassado ilustre. Intelectual engajada nos ideais iluministas, era uma mulher ativista girondina, de perfil moderado.  Mesmo católica, partilhava das ideias de tolerância de Voltaire, que era intolerante... apenas com os católicos. Em 1793, ela ficou horrorizada com a montagem de uma guilhotina em Caen, perto de sua cidade natal. Violência inaceitável. Daí o dilema: omitir-se ou agir?


Foi a Paris e esfaqueou Jean-Paul Marat, que os girondinos acusavam de ser o mentor da escalada desse extremismo. O assassinato ocorreu no dia 13 de julho de 1793. Quatro dias depois, Charlotte foi guilhotinada. Mais dez dias e Robespierre foi eleito presidente do Comitê de Salvação Pública. Assim teve início o período mais sangrento da Revolução Francesa, o Terror.

No capítulo XVIII do Tratado sobre a tolerância, Voltaire ensina que não devemos ser tolerantes com os intolerantes (depois Popper copiou Voltaire e chamou isso de paradoxo da tolerância).

No Brasil, à direita e à esquerda havia opções mais toleráveis pelas partes contrárias. Amoedo e Ciro Gomes teriam oposições acirradas, mas não o ódio de metade da população. A imensa maioria, no entanto, já fez sua escolha pela intolerância. De um lado e de outro. À direita, o medo leva parte da população a escolher seu Leviatã, aquele que, acredita, vai pacificar o país que está entregue a bandidos. Afinal, nas favelas, nas ruas  e nos palácios, tá tudo dominado. À esquerda, faz-se a opção por uma luta social ao modelo antigo, que a China mostrou ser superado. Estamos em 2018, e ainda buscamos manter viva uma esquerda atrelada ao culto à personalidade, com retratos nas paredes e nas camisas e, quem sabe, vencendo, com estátua para beijarmos a mão do padrinho, como fazíamos no tempo dos coronéis.

Aos da direita e da esquerda que não estão nem com um nem com outro, resta o dilema de votar errado para não se omitir.

A intolerância não deu certo com Charlotte Corday.

Quando aprendermos de fato alguma lição sobre tolerância, estaremos no caminho certo para construir uma democracia direta no país.

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