TEORI: DA CONSPIRAÇÃO

O voo de Ícaro, Jacob Peter Gowi
Recordando uma das versões do mito.
Dédalo, o engenheiro que construiu o labirinto de Creta, foi encerrado com seu filho Ícaro numa torre alta, para que não revelassem os segredos de sua construção. Dali projetou duas asas com penas de gaivotas, penas que foram presas ao corpo com cera. Antes de voar, o pai teria dito ao filho para não se aproximar muito do sol, que derreteria a cera, nem do mar, que molharia as penas. Filhos desobedecem, assumem riscos, são imortais. Ícaro subiu além da conta, caiu e morreu no mar.
O que nos importa aqui, nessa recordação do mito, é principalmente a reação do pai que, já em terra e desolado, exclamou: alae sanae (asas perfeitas). Tornou-se incapaz de viver a realidade, e para fugir dela e continuar vivo preferiu aceitar a ideia de que foi castigado pela força do destino.
Mesmo considerando que Dédalo estaria convencido de que a subida de Ícaro e o derretimento da cera fora uma fatalidade, podemos todos imaginar o seu rosto consternado, o seu peito dolorido, e a grande tristeza de alma que experimenta todo homem que, culpado, refugia-se na ilusão de que ninguém teve culpa na tragédia de seu filho.
É assim que todos os brasileiros estão se sentindo em relação ao acidente que matou o ministro do Supremo Tribunal Federal às vésperas da homologação que exporia todos os nomes do alto poder implicados nos casos de corrupção já delatados pela empreiteira Odebrecht. São 77 delações premiadas, e apenas na primeira há citação de 56 nomes de políticos que atualmente governam o país. Apenas na primeira das 77, a que poucos tiveram acesso. Nada sabemos das 76 restantes.
Não sejamos levianos de acusar sem provas. E não sejamos ingênuos de recusar as suspeitas como se fossem absurdas. Qualquer aluno de engenharia elétrica de terceiro ano ri da ignorância do homem comum que afirma ser impossível programar um avião de pequeno porte para ser acidentado. Um controlador lógico programável pode ser acionado por um simples celular que esteja conectado a uma central, ligada esta ao relé (fr. relais) do controlador. Provocar corte de combustível num momento de aproximação visual, ou mesmo um travamento da empenagem do avião, pode estar ao alcance de um clique de celular, desde que se tenha tido em algum momento acesso à manutenção da aeronave e à agenda daqueles que a podem utilizar. Com muito dinheiro em jogo, isso não fica somente nas telas de cinema.
Nós, homens comuns, podemos entender isso até sem ter conhecimento técnico, pois pequenas e menos complexas amostras dessas tecnologias já estão em nosso cotidiano. Por exemplo, quando usamos um GPS e ouvimos a voz feminina dizendo para virar à direita, quando chamamos um Uber e uma central faz a conexão entre nós e o motorista a ser eleito, ou quando nos surpreendemos com a precisão dos drones que sobrevoam as pessoas nas feiras de informática encantando a todos com as fotos que tiram.
Lembremo-nos de que toda investigação policial obriga-se a começar com a seguinte pergunta: quem foi beneficiado com o episódio?
Ora, para os que querem escapar dos efeitos da delação, bastaria mudar a composição do Supremo Tribunal Federal. No dia 5 de outubro de 2016 o Supremo decidiu, por seis votos a cinco, a manutenção da prisão dos condenados em segunda instância, que os deputados queriam barrar. Votaram pela manutenção das prisões os ministros Luiz Fux, Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Teori Zavascki e Carmen Lúcia. Seis a cinco. Em números, para ficar bem claro: 6x5. Bastaria trocar um e todo o domínio do jogo mudaria de lado. Depois, seria só pedir ao Supremo tudo quanto for necessário: o fim das delações (por que dar crédito e benefícios a bandidos?), de novo o fim da prisão em segunda instância (não são todos inocentes até transitado em julgado?), o fim das conduções coercitivas e prisões preventivas (e onde estão os direitos humanos?).
Assim, estancada a sangria, começariam os parlamentares a legislar para que tudo voltasse ao normal.
Sem Teori, ganha-se esse tempo precioso, mais do que suficiente. Ainda que sejam feitas concessões para acalmar a opinião pública: é só fazer a coisa bem feita. Pode-se, por exemplo, mostrar integridade e isenção ao divulgar para a imprensa que só será escolhido o substituto de Teori Zavascki depois de o STF decidir quem será o novo Relator do processo da Lava Jato. Nesse meio tempo, tudo se ajeita. Somos 6x5 agora. O novo relator pouco poderá fazer.
Mas pode ter sido um acidente. Como também pode ter sido acidente a queda do avião que matou os diretores da Bradesco-Seguros em novembro de 2015, que tirou da operação Zelotes a possibilidade de futuras delações premiadas de conhecedores dos meandros daquela empresa (leiam o parágrafo quarto do post anterior, O Julgamento dos Horácios). Isso para não falar das mortes, muitas mortes anteriores, sempre às vésperas de momentos politicamente importantes.
Pode, sim, ter sido apenas um acidente. E tudo o mais será sempre apenas teoria da conspiração.
Pobre Dédalo. Melhor crer na fatalidade. As asas eram perfeitas. Alae sanae.


Em tempo: se votássemos diretamente as leis do país, jamais a escolha de ministros do Supremo seria uma decisão presidencial e partidária. Certamente seria dada independência à magistratura para que escolhessem quem melhor os representasse.

Vai demorar, mas chegaremos lá. 

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