Bernini, O Rapto de Prosérpina |
É um dos mais ricos e simbólicos mitos gregos. Ceres, deusa da agricultura, de onde vem a palavra cereal, tinha uma filha belíssima, Prosérpina. Plutão por ela se apaixonou e a raptou, levando-a como rainha do subsolo. Ceres então vingou-se negando fertilidade à terra até que todos estivessem desesperados de fome.
Esse mito bem ilustra o que vem ocorrendo no Brasil. A deusa Ceres deu ao nosso país tamanha e tão diversificada extensão de terra que cabem aqui, com sobras:
a) a imensa agricultura familiar, que é responsável por 80% dos alimentos que chegam à nossa mesa;
b) o agronegócio, que responde por significativas exportações;
c) uma invejável indústria farmacêutica, vocação adormecida na amazônia, que poderia logo nos libertar da dependência farmacológica em que vivemos;
d) matas paradisíacas de preservação, com imensos parques ecológicos, reservas indígenas reais e áreas de reflorestamento;
e) todo tipo de energia: mineral, hidráulica, solar e eólica, além dos combustíveis que plantamos.
Pero Vaz de Caminha viu que somos uma Prosérpina, uma filha de Ceres, e daí tirou o famoso "em se plantando, tudo dá".
Mas no Brasil a ignorância e os interesses de alguns impedem que o país vença o atraso, e faz o mito prevalecer sobre a realidade.
Falemos dos nocivos China e MST, por exemplo.
Poucos lembram que nos Estados Unidos a reforma agrária foi aprovada por um congresso majoritariamente republicano em 1862 (Homestead Law), e os mesmos EUA agiram para que o Japão fizesse a sua em 1947, como parte do plano Marshall para reerguer aquele país.
Aqui a grande mídia ajuda a demonizar o MST, caracterizando um movimento de 35 anos como criminosos que invadem fazendas produtivas.
Os assentamentos fundiários e a distribuição mais justa da terra são uma urgência para o desenvolvimento do Brasil, uma necessidade reconhecida até pelos governos militares. Veja-se que elaboraram o Estatuto da Terra (1964), e criaram o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (1970).
Seriam esses militates uns terroristas disfarçados? Tudo é possível.
A prática, no entanto, sempre esbarrou na incompreensão, má fé ou ignorância de uma parte de homens do campo, em geral grandes produtores, que não entendem o todo e usam sua influência para agir com a mesma mentalidade escravocrata que atrasou o país no século XIX.
O MST é um movimento socialista. Que medo! Medo? Em todo país democrático há movimentos e partidos socialistas, assim como há liberais e de extrema-direita.
Com 35 anos de história, é claro que a grande mídia vai encontrar um ou outro exemplo de atos irresponsáveis, pessoais ou em grupo, praticados por membros do MST. Mas qualquer um que faça visita a uma ocupação dos sem terra vai se deparar com famílias bem organizadas e assentadas, com seus filhos estudando em escolas dentro dos acampamentos e com enorme produção agrícola livre de agrotóxicos, ecologicanente pensada.
Os Estados Unidos são os maiores concorrentes do Brasil no agronegócio. E enquanto nosso governo cria problemas ideológicos com os BRICS, Trump fecha acordos com a China para matar nossas exportações.
Ao demonizar a China, externamente, e o MST, internamente, golpeamos de forma paradoxal tanto a produção agrícola que exportamos quanto a que produzimos para nosso consumo.
Se a deusa Ceres nos deu as melhores terras do mundo para escolher o que fazer, nós estamos escolhendo mal, agindo como Plutão, raptando a filha dela. O mito se realiza, e tantos erros vão certamente provocar a ira dessa deusa Ceres.
E com ela virá a fome para todos.
Mas vamos dar um crédito a esse governo: talvez o projeto seja fazer do Brasil um futuro grande importador de alimentos.
Sem problemas, pagaremos com o nióbio.
Faltou contar como termina o mito, que tem final feliz. Prosérpina dá início às quatro estações do ano, repartindo seu tempo entre os deuses que mais a amam, Ceres e Plutão. Assim também por aqui um dia uma democracia mais inteligente vai se impor.
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