SENADO DISCUTE DEMOCRACIA DIRETA


Na primeira semana de maio, o autor deste blog foi contatado pelo jornalista Sylvio Augusto de Oliveira Guedes, editor do Jornal do Senado. O jornal queria uma entrevista sobre a Democracia Direta. Seis perguntas foram feitas por escrito e respondidas de pronto. Na terça-feira, dia 12, saiu a reportagem com duas páginas inteiras. Boa a reportagem, mas infelizmente, como eu temia, os pontos mais fortes do que eu respondi não foram publicados. Aquilo que era para ser ouvido pelos senadores talvez não fosse conveniente para ser escrito numa publicação oficial do senado, que tem circulação em todas as instâncias do poder. É pena, mas compreendo como funciona o jornalismo no regime representativo: a força sempre vem de cima. Ainda assim vale a pena ler. Vá ao site www.senado.gov.br e entre nas páginas centrais do jornal, dia 12 de maio. As edições estão em flash, permitindo que você folheie na própria tela. A reportagem é bem didática.
Como o leitor não terá acesso a todas as perguntas do Jornal do Senado e às respostas que dei, pois só publicaram uma parte, reproduzo aqui a entrevista na íntegra.

JORNAL DO SENADO - Por que o Senhor tem a convicção de que a democracia direta pode ser uma solução para os problemas vividos pelo regime democrático brasileiro?
ALVARO MAIA - Porque historicamente nossos representantes não nos representam. Um candidato facilmente convence um aposentado de que vai lutar pelos direitos dos velhinhos, e depois, quando eleito, aceita o argumento da quebra da previdência. Ele vai argumentar, para si e para seu eleitor, que está lutando pela própria sustentabilidade da previdência. Mas tente você convencer um aposentado a votar, ele mesmo, contra um projeto que atrele a pensão aos aumentos do salário-mínimo. E veja que este exemplo que dei refere-se a um parlamentar bem intencionado. Nos casos em que o representante não o é, e sabemos que não são poucos, a distância entre representado e representante é até criminosa.
JORNAL DO SENADO - Se o sistema tem tantas virtudes, por que não é adotado pela maioria das democracias? É verdade que a democracia direta está no DNA da criação da Comunidade Européia, onde as consultas populares e plebiscitos tenderiam a ser usados com muito maior frequencia?
ALVARO MAIA - A questão aí é apenas histórica. Mudanças de estrutura de poder ocorrem gradativamente. E a democracia direta é uma clara mudança radical de poder. Uma mudança assim radical passaria o comando das ações legislativas diretamente para a população e isso seria, no entender dos que comandam os grandes setores da economia, extremamente temerário. No sistema atual, todos os grupos sabem atuar, com seus representantes e seus lobbies. A Comunidade Européia tem perfil diferente porque é recém-nascida sob grande influência da Bélgica e da Suíça, países que estão muito adiante dos demais europeus nesse convívio mais direto com a população. E isso é uma clara sinalização histórica de que os europeus tendem a caminhar na mesma direção.
JORNAL DO SENADO - Que mecanismos o Senhor considera que deveriam (ou poderiam) ser implantados para tornar mais direta a participação do cidadão nas decisões políticas do Brasil?
ALVARO MAIA - A democracia efetivamente direta ocorreu apenas na Grécia no século de Péricles. Eram cidades-estado, naquele tempo, as decisões eram tomadas em praça pública e cada cidadão levantava a mão para votar. Com o crescimento das cidades, dos países, é claro que isso é impraticável. Imagine quase duzentos milhões de brasileiros a levantar a mão. Por isso surgiu a democracia representativa. Não caberiam todos num só lugar. Ocorre que essa realidade já mudou. Hoje a tecnologia permite que mais e mais gente esteja conectada via internet e milhões dão seu voto em dezenas de enquetes, todos os dias, nos mais diversos sites. Veja-se o furor popularesco do Big Brother. Tais mecanismos poderiam estar à disposição do cidadão que, num toque de dedo, votaria no que quisesse que seu representante votasse. Esse parlamentar teria que acompanhar o resultado da enquete recebida por seu partido e então a vontade popular seria efetivamente obedecida. É perfeitamente factível em termos de tecnologia e segurança. Com certeza, no futuro, o mundo será assim.
JORNAL DO SENADO - O Senhor acredita que, em um regime de democracia direta, boa parte dos problemas enfrentados pelo Parlamento e aqueles experimentados nas relações entre os três poderes seriam atenuados?
ALVARO MAIA - Seria uma realidade completamente diferente. Na verdade, o equilíbrio proposto por Montesquieu nunca existiu. especialmente no nosso país. Se o Supremo decidir interpretar que verde é vermelho, essa interpretação é que vale, não importa o que está escrito na Constituição ou o que pensam os parlamentares, pois, pasmem, quem diz o que deve ser entendido na Constituição e o que pensaram os parlamentares ao formular alguma lei é o Supremo. Ele tem a última palavra, ainda que seja risível aos olhos de todos. Daí vermos as cenas desagradáveis que temos visto até nos debates interna corporis daquele tribunal. A realidade, numa democracia direta, seria outra, pois todos estariam sob vigilância direta da vontade popular.
JORNAL DO SENADO - A democracia direta é compatível, por exemplo, com o sistema parlamentarista?
ALVARO MAIA - Nada combinaria mais com o sistema parlamentarista do que uma democracia direta. Esse seria realmente um Parlamento com letra maiúscula, pois todas as decisões ali tomadas estariam diretamente respaldadas pela vontade popular. Imagine a credibilidade de um primeiro-ministro que tomou tal decisão acompanhando a maioria de um parlamento que votou segundo efetivamente a vontade do povo. Você consegue imaginar democracia mais real do que isso? A democracia de fato nunca existiu nos tempos modernos. Mas vai existir. É só questão de tempo.

OUTRO DETALHE


Falando em poder econômico, quero aqui apenas lembrar aos leitores de minhas postagens anteriores algo que não pode passar em branco: quem foi que assumiu a defesa da empreiteira Camargo Correa? É... foi ele mesmo. Márcio Thomaz Bastos.
Claro. Ele é um grande advogado, deve trabalhar sempre em grandes causas. Mas leia de novo a postagem sobre a quebra da impenhorabilidade dos salários. Ele sempre defende os direitos de quem? Homens como esse, quando estão no poder executivo de uma democracia representativa, fazem um meio de campo muito perigoso entre o grande capital e a ambição de grande parte dos congressistas.

UM DETALHE SOBRE O CASO CAMARGO CORREA

Todos acompanharam o caso do esquema da empreiteira Camargo Correa. A quem não o fez, reproduzo ao lado um diagrama publicado na Folha Online, de 27/03/2009, que ilustra as denúncias feitas pela Polícia Federal.
Não se trata de comentar o esquema. Não é o propósito deste blog. A grande mídia, bem ou mal, já cumpre esse papel. O esquema todo, afinal, apenas ilustra didaticamente o que é o cotidiano de todas as democracias representativas como a nossa: o uso dos mandatos dos representantes populares para legitimar a vontade dos detentores do poder econômico.
E não adianta apenas indignar-se com as denúncias e querer que sejam apuradas e seus responsáveis punidos. Esse clamor por justiça é uma reivindicação ingênua da sociedade, instigada pelos meios de comunicação. Quem controla bilhões de dólares não vai ficar sentado, passivo, apenas torcendo para que os que elaboram as leis não venham a prejudicar os seus negócios. Desarmado um esquema, arma-se outro, é evidente. Dinheiro, competência e ousadia não faltam a nossos grandes empresários. Competência eles têm, sim. Se só tivessem vocação para a ladroagem e não fossem competentes o país não estaria se tornando uma potência mundial. São atirados, capazes e ambiciosos. Se o sistema dá brechas, burla-se o jogo. Cabe a nós, cidadãos comuns, que apenas trabalham e ganham a vida, lutar para equilibrar esse jogo. Buscar meios de obrigar o legislativo a trabalhar a nosso favor. E isso só será possível quando nós mesmos estivermos legislando por nós.