O que está acontecendo, afinal?
Muito barulho e pouca música.
Quando as pessoas estão insatisfeitas e não entendem o que se passa, gritam. E gritam por socorro, desejando tambores que anunciem salvação. Ciclicamente isso tem acontecido ao longo da História. Se a orquestra desafina, parem a música, derrubem o maestro, chamem os tambores: é hora de tambores.
Macri foi eleito na Argentina, May é a
nova Thatcher da Inglaterra, Trump venceu até contra a grande mídia,
Hofer é o favorito na Áustria, Rajoy foi eleito na Espanha, e o
segundo turno na França será disputado entre Fillon e Marine Le
Pen, ambos de extrema direita.
Ingenuidade alguém pensar que aqui no
Brasil, com a derrocada do PT, seria a vez do crescimento do PSOL ou
de outra agremiação alinhada com reformas sociais. Mais próximos
estamos de eleger um Bolsonaro (não necessariamente ele) ou um
Crivela. A História é assim. Há gente que acha que se Hitler não
tivesse chegado ao poder o mundo teria tido outro rumo. Como se não
estivessem no poder, no mesmo período, Mussolini, Stalin, Franco,
Salazar, Perón e Vargas. A Alemanha sem Hitler seria a mesma,
apenas o nome do nazista seria outro.
Mas nunca tivemos o mesmo problema na
Suíça. Não porque seja um país pequeno, de exceção.
A Suíça sofreu uma guerra civil entre
liberais e conservadores em 1847, guerra que foi vencida por
Guillaume-Henri Dufour, um engenheiro civil militar, defensor das ideias de
Jean-Jacques Rousseau. Dufour, natural de Genebra, como o filósofo, conseguiu a
pacificação do país levando os Cantões a adotar o sistema de
democracia direta como forma de eliminar os políticos que sujeitavam todos a leis que contrariavam a
vontade popular. Derrubar muros
para construir pontes, disse ele. É o maior herói da história
helvética. Ele instituiu o ensino obrigatório, e seguiu os princípios ensinados no segundo volume do Emílio, obra em que Rousseau revoluciona a educação. Inicialmente, nada de livros, diz Rousseau, na primeira infância é preciso buscar a aproximação entre as crianças e a natureza: deve-se ensinar os pequeninos a cuidar de plantas e
animais (daí o jardin, jardim de infância, não o kindergarten de Froebel, que depois deformou a ideia de Rousseau),
desenvolvendo primeiro nelas, nas crianças, a sensibilidade, a
solidariedade ante a dor dos outros seres vivos, para só depois dar
a elas conhecimento. Sem tal formação prévia, todo conhecimento
recebido pela criança pode ser usado no futuro para oprimir seus
semelhantes. Veja-se que o Congresso brasileiro é composto quase
todo por deputados e senadores que possuem curso superior, e
nem por isso são pessoas melhores. O general Dufour era um estadista que paradoxalmente
preocupava-se até com a dor dos inimigos. Foi ele quem criou a Cruz
Vermelha Internacional, fruto de sua experiência na guerra em que
demonstrou ser possível vencer batalhas com poucas baixas para si e
também para o inimigo.
A Suíça é filha de Rousseau e de
Dufour. Mas a Suíça é principalmente fruto da educação. Lá a
democracia direta faz com que o país passe ao largo das crises
políticas e econômicas, com baixas alíquotas de impostos, economia livre e plena liberdade individual para todos os cidadãos. Tudo
decidido diretamente por eles.
Aqui no Brasil a realidade triste
acompanha a crise de representatividade que assola todo o mundo
ocidental, fazendo com que o povo, desnorteado, busque um salvador da
pátria, um homem forte que ponha ordem na casa. Um tambor bem retumbante.
O agravante no Brasil é que essa
desordem ultrapassa a crise econômica e escancara a realidade de
sermos um país em que a corrupção sempre foi sistêmica,
percorrendo todos os segmentos, do homem mais simples das ruas aos
empresários mais prósperos, e tudo referendado por um sistema
representativo purulento. Vivemos sobre um esgoto fétido, e sempre
soubemos disso, mas desta vez a tampa do bueiro voou longe e não
estão conseguindo recolocar.
Michel Temer aceitou alguns pactos para
satisfazer sua vaidade de chegar ao poder. Sim, vaidade, apenas vaidade, porque ele não é
caracterizado por assaltos ao dinheiro público. Convive com a corrupção, aceita-a nos demais,
mas vai ser difícil encontrar dinheiro no seu bolso, assim como será
difícil também encontrar nos bolsos do Fernando Henrique, da Dilma
e mesmo do Bolsonaro. Os valores e os desvalores nem sempre são
iguais. Estes quatro são capazes de fechar os olhos aos ladrões,
mas na verdade os desprezam. Hitler também era assim, desprezava
Göering.
Leiamos aqui os três pactos firmados tacitamente por Michel Temer, e talvez possamos entender este movimento tão polifônico quanto dissonante dessa desmúsica brasileira:
1) PACTO COM OS INVESTIGADOS:
Aos corruptos deputados e senadores,
está claro que Temer prometeu inibir as operações da Polícia
Federal quando estivesse no comando. Para tanto, deixaria que
seguissem em frente as tentativas do Congresso de legislar no sentido de pouco
a pouco retirar força do Ministério Público e das investigações.
Os planos já estavam traçados antes, pelos principais investigados.
Quem ainda tiver estômago, digite no Google os nomes, por exemplo,
de Jucá ou de Renan, junto com a palavra “gravação”. São
gravações anteriores ao processo de impeachment. As tentativas de
barrar a prisão de condenados em segunda instância, anistiar caixa
2 e tornar passíveis de condenação juízes e procuradores, por
abuso de autoridade, só ainda não viraram lei porque setores barulhentos de parte da imprensa e da sociedade reagiram de imediato.
2) PACTO COM OS BATEDORES DE PANELAS:
Aos conservadores inocentes, que creem
estarem seus filhos sendo doutrinados politicamente por professores
comunistas, e pelas redes sociais, Temer oferece uma reeducação.
Para Temer – que é culto, professor de direito constitucional –
a chamada “escola sem partido” é uma iniciativa boçal, que aos
olhos dos intelectuais do país mostra-se claramente como censura
política. Inteligente, Temer resgatou um bom projeto de reforma
educacional, esquecido no congresso, que previa a escola de tempo
integral -- uma antiga luta de todos os que clamam por uma verdadeira
reforma do ensino. O cavalo de Tróia? É simples: deixando de ser
obrigatórias, as disciplinas que dão margem a discussões políticas
cairiam para segundo plano, o que atende às necessidades de
despolitização mais imediatas. De quebra, a reforma poderia ser bem
vista por empresários e pelos próprios jovens, pois o currículo dá
mais liberdade aos alunos, além de prepará-los para um Brasil
competitivo, formando trabalhadores tecnologicamente mais
capacitados.
3) PACTO COM O PSDB:
Ao partido que efetivamente representa
o liberalismo clássico no país, com toques neoliberais, Temer promete cumprir a agenda do
ajuste fiscal e a desregulação das amarras da legislação
trabalhista e previdenciária. Ele precisou do PSDB para tirar Dilma e conta com o apoio do partido para governar no congresso. Claro que isso não é exigência dos membros corruptos do
PSDB que, assim como os que são corruptos no PT, não têm nenhuma ideologia.
Quem dita o perfil do PSDB são os Fernandos Henriques e Artures Virgílios, que sonham com
uma pátria que se aproxime da escola de economia austríaca. Os Aécios têm poder, mas não sabem e nem se interessam
por saber quem foi Mises: querem apenas dinheiro. O PSDB exige de Temer que cumpra esta agenda neoliberal, pois o partido já se considera o próximo governo e encontraria, assim, a casa já previamente arrumada, sem
necessidade de tomar as chamadas medidas impopulares.
São esses três segmentos que disputam
o poder hoje no país. Acrescentem-se aí os movimentos populares
que, mesmo baqueados pelo afundamento do PT, possuem nível de
organização capaz de fazer crescente barulho nas ruas, agregando os partidos
nanicos de esquerda e os grupos minoritários.
E todos os segmentos se odeiam ou se desprezam uns
aos outros.
O espetáculo é barulhento, mas aproximando bem o ouvido podemos perceber que até se assemelha a uma peça
musical. É tenso, com alternância de movimentos entre adagio,
andante, allegro, e prestissimo. Pena que no Brasil
poucos aprendem música na escola. Poucos entendem o tom do que está
acontecendo.
E Nietzsche nos lembra, em seu
Crepúsculo dos Ídolos, na máxima 33... ohne Musik wäre das
Leben ein Irrtum (Sem a música
a vida seria um erro).
A democracia direta virá, com o tempo.
Depois de fazermos uma revolução educacional que lembre, ainda que
de longe, os ensinamentos de Rousseau e Dufour. Aí não precisaremos
mais de representantes, que nunca nos representam nem vão
representar. Tomaremos nossas próprias decisões sem crer em
promessas. Pode acreditar.
3 comentários:
Texto muito apropriado , facilita o entendimento da confusão generalizada que estamos inseridos .
Espero que as futuras gerações se saiam melhor ....
Que poesia! Um belo texto, de fato. Se prestarmos atenção, tudo se desnuda em uma grande show de atabaques e notas baixas que vibram o progresso da política brasileira em tom "pesado" e lento, bem como ela caminha. Um espetáculo, sim, mas uma tragédia.
Novamente, um belo texto.
Muito Bom!!! Mas creio que a mudança não virá pela educação formal mas pela formação de microcidades autossuficientes e com democracia direta como ocorre no nordeste Suíço. Algo possível e exequível por pequenas comunidades dispostas a realizar mudanças. Esta democracia tribal se aprende mais com o convívio do que por teorias.
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