PARADOXOS

Magritte, La reconnaissance infinie

Os bancos em geral nos emocionam com suas peças publicitárias, principalmente quando suscitam sentimentos de solidariedade, grandeza espiritual e amor de família: o que há de mais puro dentro de nós. Um paradoxo.

René Magritte foi um pintor surrealista belga, mestre dos paradoxos visuais. Na obra acima, de 1963, o absurdo não é vermos homens em suspenso e sim perceber tais homens aparentemente negociando à revelia do infinito.

Até seus 28 anos, René trabalhou com anúncios, e buscava focar-se nas pessoas, poucas vezes naquilo que era anunciado. O sentimento está no homem, não no objeto, pensava ele. E é assim que se nos apresentam hoje tais peças publicitárias de instituições financeiras. São verdadeiras obras que tocam no melhor de nossa sensibilidade, e paradoxalmente trazem a marca do estamento mais nocivo e insensível de nosso corpo social: o dos banqueiros.



O caráter da democracia representativa, que é desviado por natureza, já foi aqui neste blog objeto de muitas postagens. Mas uma sequência chama a atenção: a que acompanha o modus operandi dos bancos.

Breve histórico dessas postagens:

2007 - Um exemplo de nossa democracia representativa
Os bancos tentaram quebrar a impenhorabilidade dos salários e do imóvel único da família: os itens foram vetados na sanção presidencial.
2014 - Cuidado! Eles voltam e tentam de novo
Mais uma vez, a pretexto de nova reforma do Código de Processo Civil, os bancos tentam incluir as penhoras: novo veto presidencial
2017 - O juramento dos Horácios
Trata do acidente de avião que matou dois diretores do Bradesco, implicados na operação Zelotes.

Em 2015 foi sancionado o Novo Código de Processo Civil, e a tão buscada penhora de salários foi finalmente conseguida pelos bancos, embora apenas para os altos vencimentos. Não importa: foi quebrado o paradigma e os banqueiros comemoram, pois podem começar a trabalhar seus deputados para aos poucos ir reduzindo a barreira dos valores.

Agora em junho de 2018, a quarta turma do STJ criou jurisprudência que permite suspender a carteira de motorista de inadimplentes de qualquer natureza, forçando-os a quitar a dívida. Isso num país que virou o ano com 60,2 milhões de brasileiros inadimplentes, 80% deles por juros no cartão de crédito.

Parece absurdo? Pois já é fato: em alguns meses isso vai passar a ser corriqueiro e comentado na Globonews, por exemplo, como uma forma de diminuir o nosso spread bancário (39,6%), o segundo maior do mundo, conforme relatório BIRD-2016, perdendo só para Madagascar.

Para terem ideia da indecência que é praticada aqui, o maior spread de país europeu é o da Alemanha, 5,5%. Até vizinho de porta, a Argentina do Macri, pratica 6,9%.

Spread, grosso modo, é o lucro do banco, a diferença entre o que o dinheiro custa e o juro que é cobrado dos clientes. Há um oligopólio de cinco bancos sem concorrência. Cartel. A inadimplência entra no cálculo do spread, mas a última coisa que um banco vai fazer é transferir para o cliente o que for lucro por uma inadimplência menor. Faz-me rir.

Os bancos, cada vez mais ricos, mandam no judiciário brasileiro. Negociam nas nuvens, inalcançáveis, como no quadro de Magritte. Os bancos. Os mesmos que mais se locupletam do rentismo que separa mais de 50% de todo o orçamento do país para pagamento de juros e amortização da dívida pública.

O Brasil possui 32 milhões de empregados com carteira assinada, 12 milhões de desempregados, e mais 34 milhões de trabalhadores jogados à informalidade.

O judiciário toma o partido de quem?
Sem educação, o povo reproduz o discurso do opressor: "mas quem deve precisa pagar".
A população é ingênua política e financeiramente.
Os bancos agradecem.

O quadro de Magritte é magnífico, na sua criação. Mas nossos paradoxos também são fruto de uma arte nada acidental.

Só com a democracia direta esses senhores vão parar de legislar.


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