INDONÉSIA E BANGU

O que leva os brasileiros a desviar sua atenção de problemas próximos, reais e importantes, para se concentrar em problemas distantes e que não fazem parte de seu cotidiano?

Duas mortes aconteceram quase simultaneamente, como consequência da guerra do tráfico:
1) Aqui no Brasil – a morte de Larissa de Carvalho, menina de 4 anos, no último sábado, dia 17, aproximadamente às 15h, em Bangu, no Rio de Janeiro, atingida por uma bala perdida, na saída de um restaurante. Sua mãe, que doou os órgãos da filha, desabafou: “alguém tem que fazer alguma coisa para parar com essa guerra”.
2) Lá na Indonésia – a morte de Marco Archer, traficante internacional de 53 anos, fuzilado também sábado, dia 17, aproximadamente às mesmas 15h, na Indonésia, a 16 mil km (20 horas de voo) distante do Brasil. Sua tia, que trouxe de volta as cinzas de seu crematório, desabafou: “é uma pena exagerada”.

Não sejamos ingênuos. Ninguém consegue tamanha mobilização da mídia, nem tamanho empenho das altas esferas governamentais se não tiver gente grande, muito grande, pressionando o alto escalão do governo e ligando para os chefes de redação dos jornais.
Tudo bem, o poder executivo precisa de votos de deputados e senadores para poder governar. É obrigado a nomear ministros sabidamente corruptos, sob pena de não ter maioria no congresso e assim perder a capacidade de propor leis e orçamentos.
Mas acho que a questão que mais precisa interessar ao Ministério Público seria a seguinte: quem foram os deputados e senadores (ou ministros) que se empenharam pessoalmente para que o caso Archer tivesse tanto apoio da mídia e do governo brasileiros?
Com certeza a população sabe e sente que a morte de um traficante internacional lá longe não tem nenhuma importância para a vida dos cidadãos de bem que moram aqui no Brasil.
Por outro lado, era importantíssimo para organizações criminosas com braços internacionais salvar a vida desse traficante, sob pena de ver dificultado o recrutamento de outros brasileiros de classe alta que estejam dispostos a tentar entrar com grandes quantidades de cocaína num país que aplica pena de morte aos traficantes.
Existem muitos outros Marcos Archers passeando pelo globo.
Enquanto não houver democracia direta, nossos deputados e senadores estarão lá em Brasília representando não a mim e a você, leitor, e sim lutando pelos direitos de grandes grupos econômicos ou, pior, defendendo os interesses de grupos ligados ao crime organizado.
É claro que Demóstenes Torres não foi uma exceção.
E, àqueles que disserem “... mas são coisas diferentes!”, eu respondo:
Não. Não são coisas diferentes. São coisas essenciais.

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